Os últimos momentos de trabalho não foram tão sublimes quanto eu imaginava que seriam. Fui criando na minha cabeça um "ultimo dia de trabalho", tinha roteirinho com ato final e tudo. Achei que eu ia querer sair da cantina e dar soquinhos no ar que nem Rocky Balboa fazia no momento apoteótico dos seus treinamentos antes das lutas em que ele sempre dava um jeito de ganhar. Ou ia pra frente do hospital e gritar "Freeeeeeedom" que nem um cidadão de face pintada fez uma vez de cara a cara com o numeroso exército inimigo. De repente não sai tão feliz de lá porque me sentia muito produtivo, financeiramente, dentro deste emprego. Dizem que agente vai emburrecendo quando trabalha nesse ramo por muito tempo, mas foi temporário. Valeu a experiência. Quase nove meses trabalhando lá pude aprender bastante coisa. Vou manter essa minha metamorfose ambulante de conhecer um pouquinho de cada área porque ate agora acho que ta dando resultado. Já trabalhei em empresa privada, empresa familiar e associação. Agora é voltar pro Brasa e tentar achar algum estágio no serviço público porque ainda não conheço bem como o lance funciona por lá.
Ta beleza, fiz esse teatrinho de: "vou sentir saudades de trabalhar aqui". Obrigatório sempre que saímos de uma determinada organização, independente de ser verdade ou não. Mas tenho que admitir que apesar de não ter saído "nas nuvens" do estabelecimento comercial Coffe Dock, saí cantarelando Free as a Bird
dos Beatles e senti um ar mais oxigenado entrando nos pulmões. OXIGENIO PURO! Que nem diria meu pai. O cheirinho das esquinas de Dublin, no caminho entre trampo e meu apê, tava mais porto-alegrense do que nunca. Afinal, o emprego era o vínculo mais oficial com o país que eu tinha. Agora sou apenas alguém que mora em Dublin sem um propósito forte. Na boa, curtindo.
No mais é isso. Depois de amanhã começamos a viagem, uma tremenda escassez de couchsurfing, tendo que bookar hostel a bangú. Foda-se, o importante é que a trip vai sair, e no fim das contas a grana foi calculada considerando que fossemos pagar acomodação, azar!
PS.: Wikipédia mente!!! Dizem que em Dublin faz em média 20 graus em Maio... Sai daí louco! Foi frio pra caralho.
É amigos, este blog não se resume apenas a lamúrias sentimentais e relatos cotidianos de um pobre coitado em um país distante. Espero contribuir com alguma informação útil para os meus leitores (se é que ainda estão se bandeando por esta querência).
O sistema de auxílio aos cidadãos irlandeses é bem falho, deixando muita brecha pra quem quer apenas mamar nas fartas tetas do governo. Desde que comecei a trabalhar achei estranho o fato de minhas colegas irlandesas trabalharem apenas Part-Time (20h por semana) quando poderiam facilmente conseguir um contrato Full-Time (40h por semana) e ganhar o dobro, óbvio. Presumi que elas tinham familia com grana e que não precisavam se matar trabalhando. Mas a ingenuidade foi muita ao pensar isso. Na verdade elas são umas Knackers* que aproveitam os benefícios que o governo irlandes disponibiliza aos "desafortunados" que trabalham apenas 20h por semana. Dentre os benefícios estão: Menor contribuição com impostos, acesso gratuito a saúde e blá blá... No final das contas isso tudo desestimula quem quer trabalhar duro porque a diferença real de salário entre os que trabalham full-time e part-time fica muito pequena. A questão dos incentivos deveria ser revisada nesse sistema. Outra coisa que acontece é a diminuição de irlandeses nos altos níveis hierárquicos das empresas. Por exemplo, onde eu trabalho, todos os supervisores que tive ate agora foram de países como: Lituânia, Índia, Brasil e Espanha. Isso porque as empresas cobram que os funcionários no comando façam full-time, é claro. Dentro dessa realidade, os irlandeses ficam estagnados numa determinada camada operacional de uma empresa e os estrangeiros tomam conta de tudo isso. O que sustenta esse ciclo é o dinheiro que os estrangeiros pagam de impostos ao governo. Palhaçada!
E tem mais. O professor do André (que é irlandes) contou casos de amigos dele que estão no Dole, que é o seguro desemprego deles, há muito tempo. Tudo isso num esquema bizarro. Eles enviam currículos pela internet para empregos para os quais não são qualificados e não tem nenhuma chance de conseguir. Recebem uma carta (um comprovante) constando que não foram bem sucedidos na tentativa e apresentam esse documento mensalmente ao governo para continuarem recebendo a grana. Esses caras ficam o dia inteiro jogando videogame e sendo sustentados pelo governo. Esse seguro consiste em mais de 200 euros por semana mais o aluguel do lugar onde o cidadão irlandes mora. Mais do que o suficiente pra viver numa boa. Li esses tempos no jornal que o Dole é considerado generoso demais por especialistas.
Lembrando que os dados usados para fazer essa análise não têm fonte 100% confiável (até porque esse tipo de coisa é bem complicada em qualquer país do mundo).
*Irish term of affection for general scum (low lifes). Originally originating from a term of reference for travellers. But nowadays covering whole spectrum of degenerates.
Uma pitada de planejamento pode ser observada nos últimos dias feita por mim e pelo André. Mas é tão simbólico o planejamento que só de canto de olho, quase escapando da visão, que da pra perceber isso. A grife de "viagem não planejada" e de "deixa rolar e vamos ver no que que da" já começa a dar medo. Também não quero começar o mochilão em Amsterdam e terminar na Turquia com um turbante na cabeça e comendo areia porque "deixei rolar". Hoje pegamos o papel e caneta, e começamos a botar as datas, horários de trens, hospedagens e etc tudo no preto e no branco. O resultado foi uma folha de caderno com umas 2 linhas preenchidas, frustrante de comtemplar! O negócio é: baixar a cabeça e sair pedindo couchsurfing a torto e direito sem dó nem piedade, reservar todos os trens já em Amsterdam no balcão da companhia e ao sair do aeroporto já comprar aquele bolinho de maconha mais uns cogumelinhos só pra dar um "nice kick at the end".
No mais, tudo as mil maravilhas no trampo, fazendo uma grana legal. Sendo pago pelo que me deviam. Comprei meu HD portátil pra guardar as fotos... Era isso. Andei até negando serviço semana passada e hoje. Me ligaram cedo da manhã pra fazer aquelas correria e ir trabalhar dai me fiz de louco disse que tinha que ir no banco e que tinha outros compromissos e voltei pra cama.
Na memória aquela lembrança desfocada, como aquela chama desprotegida que, trêmula, tenta ficar acesa no meio de um crepúsculo. Enxurrada de experiências que vai diluindo os antigos hábitos. Ainda há uma chama. Aquilo que é socialmente tido como rotina, uma coisa ruim, vai perdendo o seu sentido original na medida que percebo que a vida consegue se adaptar a uma rotina e uma rotina pode ser uma vida. Hão de existir os que não criam raízes, os que a nada se apegam. Mas já começo a saber o tamanho da minha força, sinal de vida adulta. Talvez não mais o adolescente que pode tudo contra todos. Ainda há uma chama. Vejo aquele tempo em que uma quinta-feira era uma quinta-feira, uma sexta era uma sexta, e cada um desses dias tinha um significado cíclico muito intenso. Apesar de tudo, no meio das intrigantes incertezas, consigo montar os pedaços de um quebra-cabeças, dar uma baforada e uma polida, e afirmar algumas suspeitas que eu tinha. A ausência de chão vai minando, aos poucos, a cabeça dos que se aventuram além dos horizontes. É que nem tentar ver um pôr-do-sol de cabo a rabo. O processo é lento e sempre acabamos achando alguma coisa pra se distrair em seu curso, mas, repentinamente, que nem fogos de artifício estourando abruptamente para nos assustar e se desmanchando com graça como para que nos confortar, dou-me conta do significado da palavra saudade. Ainda há uma chama.